Praia - Aos 78 anos, Ernesto Cabral sabe o que é o altruísmo. Corre-lhe nas veias. Ernesto é sobrinho de um dos maiores líderes anti-coloniais de África e herói nacional de Cabo Verde, Amílcar Cabral. Enquanto o seu tio dedicou a sua vida à luta contra as potências coloniais em África, Ernesto escolheu lutar contra uma doença que mata uma criança africana a cada minuto: o paludismo.
Ernesto lembra-se de se ter inscrito no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade de Lisboa quando era jovem. Durante os seus estudos, aperfeiçoou as suas capacidades de leitura de lâminas e de identificação de parasitas sob a orientação do Dr. Francisco Cambournac, um reputado especialista em paludismo e o primeiro Diretor do Gabinete Regional da Organização Mundial de Saúde (OMS) para África.
“O Dr. Cambournac deslocava-se frequentemente a Cabo Verde para efetuar estudos sobre parasitas, como os mosquitos, e nós acompanhávamo-lo no terreno para recolher amostras de sangue para enviar para o laboratório”, recorda Ernesto. “No laboratório, os meus colegas costumavam brincar que, tendo sido treinado por um especialista como Cambournac, eu sabia tudo.”
Ernesto juntou-se à Brigada Contra Paludismo de Cabo Verde após a independência, em 1978, onde passou mais de 30 anos a aperfeiçoar as suas competências e a tornar-se um ator fundamental na luta nacional contra o paludismo. “Os meus colegas tinham total confiança no meu trabalho. Eu acabava o meu turno no laboratório do centro de saúde e depois ia para o hospital, onde encontrava muitas lâminas à espera de serem lidas”, conta.
Os esforços das autoridades cabo-verdianas para controlar o paludismo deram frutos. Em janeiro de 2024, o país atingiu um marco histórico quando a OMS o certificou como livre o paludismo. Tornou-se o terceiro país da Região Africana a obter esta certificação, juntando-se à Argélia e às Maurícias, que receberam este reconhecimento em 2019 e 1973, respetivamente.
Apesar de ser elegível para a reforma desde 2012, Ernesto só pendurou a bata do laboratório oito anos depois. “Depois de termos conseguido reduzir os casos de paludismo, os meus colegas partiram para outros horizontes, mas eu fiquei para continuar a trabalhar no laboratório”, explica. “De vez em quando, também ia às comunidades para procurar casos nas famílias e nos bairros das pessoas infectadas.
A certificação marca um momento de orgulho na longa e gratificante carreira de Ernesto. “O Dr. António Moreira, coordenador nacional do Programa de Controlo do paludismo, disse-me que tínhamos conseguido eliminar a doença, mas que, se aparecessem novos casos, eu seria chamado para ajudar. Respondi-lhe: não há problema, eu e os meus colegas estaremos disponíveis.